QUANDO TEREZA DESCEU DO SALTO

Tereza era uma ótima profissional. Dona de si, totalmente capacitada para ser uma das principais diretoras da empresa em que trabalhava. Era simpática, inteligente, perspicaz e, além disso, tinha um ótimo humor. O sorriso era seu cartão de visitas e era praticamente impossível vê-la irritada com alguma coisa. Estava sempre pronta para ajudar e resolvia os problemas da companhia com a maior tranquilidade.

Terê era baixinha, tinha menos de 1,54 de altura, mas não usava salto alto. Gostava sempre de estar o mais confortável possível. Ela era de fato toda pequenininha, parecia ser tão, mas tão frágil, que as pessoas a abraçavam com cuidado, com medo de machucá-la de alguma forma. Porém, a altura não era páreo para a personalidade forte, para a grande responsabilidade e para as atitudes certeiras que a jovem tinha.

Certa vez, a diretora fora convocada para representar o presidente da empresa em um evento importantíssimo do mundo dos negócios. Ela aceitou, mas receosa. O medo de Tereza não era de gaguejar, de falar besteira, suar frio, de dar branco ou simplesmente travar. Ela tinha outro que julgava ser ainda pior: o medo do salto alto.

Desde a adolescência, a jovem odiava se equilibrar em sapatos desconfortáveis, que apertavam, incomodavam, sufocavam seus pequenos pés. Em todas as festas, ela usava seu velho All Star preto ou optava por uma sapatilha – desde que fosse muito, mas muito confortável. Mas dessa vez ela sabia que seria diferente e a própria resolveu comprar seus high heels.

Resolveu ir ao shopping assim que saísse do trabalho e passou em uma loja superfamosa – loja que todas as amigas veneravam, inclusive ela – mas só as flats. A atendente perguntou que tipo de sapato Terê queria e, obviamente, ela não soube responder. Perambulou pela loja meio controversa, tentando entender o que ela estava fazendo na parte dos saltos, sendo que odiava.

Depois de quase uma hora, resolveu comprar um scarpin preto, básico, oito centímetros, mas também levou o tênis de oncinha que tanto queria, como uma forma de compensação para os pés.

No dia do evento, Tereza acordou cedo. Precisava ensaiar o “discurso”, ver se estava tudo nos conformes. Viu os sapatos dentro da caixa e os colocou. Como fazia muito tempo que ela não usava salto alto, nada mais justo do que se acostumar novamente com eles. Mas, Terê é exagerada e passou a manhã inteirinha com os black shoes.

O congresso começaria às 14h. Tereza chegou ao local sem paciência alguma. O bom humor tinha ido para o espaço e os pés estavam doendo, doendo muito! Colocou os tênis animal print e se sentiu no paraíso. Dentro da bolsa estavam os saltos, mas só usaria quando precisasse discursar.

- Tereza é a sua vez. – Chamou a organizadora.

Terê tirou os sapatos da bolsa, mas não conseguia calçá-los. Os pés estavam totalmente inchados e doloridos. Sem pensar duas vezes e se sentindo totalmente pressionada, ela discursou usando os tênis superconfortáveis e modernos que tanto gostou.

Todos ficaram olhando, mas a diretora sabia suportar as críticas e discursou maravilhosamente bem. O evento tinha sido um sucesso. E Tereza estava absolutamente feliz, o bom humor enfim tinha voltado e ela até dançou – com os tênis, claro – e se divertiu muito.

No dia seguinte, quando abriu a página da coluna social no jornal, lá estava uma foto dela e a seguinte nota: “Inteligência, conforto e muito estilo. Tereza Comodoro foi uma das palestrantes do evento promovido pela Nuova Tecnologia, representando Francisco Machado, presidente da empresa. Além do discurso bem construído, o tênis de oncinha que ela usava, também foi o destaque da tarde, quebrando a seriedade do congresso – que por sinal estava incrível.”

Terê fechou o jornal e suspirou feliz. Olhou para os pés – novamente com os tênis – e sorriu; se sentiu satisfeita com o resultado e fechou os olhos enquanto voava de volta para casa.

– Estilo e conforto deveriam estar sempre juntos, inclusive em congressos – pensou antes de cair no sono.

#blocodenotas